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InCeres Entrevista #1: Ricardo Inamasu (Embrapa)

por Cintia Cavalcanti
Num cenário de demanda crescente pela produção de alimentos e escasseamento dos recursos naturais, o Brasil ocupa uma posição privilegiada e promissora em termos de potencial agrícola, visto concentrar grande parte das terras agricultáveis, dos recursos hídricos e uma das maiores taxas de produtividade agrícola do globo.
Neste contexto, o uso de tecnologias que possibilitem o incremento da eficiência dos sistemas de produção, a otimização de insumos, e consequentemente, de custos na produção agrícola e a maximização de rendimentos aliada à minimização de efeitos aminceresbientais negativos se mostra estratégico para o agronegócio brasileiro.
Baseando-se exatamente nessas premissas, a Agricultura de Precisão (AP) pode ser considerada um sistema de manejo integrado de informações e tecnologias que parte da consideração de que as variabilidades de espaço e tempo influenciam nos rendimentos dos cultivos. Sua história no Brasil confunde-se com sua história dentro da Embrapa, que no final da década de 90, iniciava suas primeiras incursões nesse tema.
Concentrando-se inicialmente na eficiência das máquinas agrícolas importadas, que traziam essa tecnologia embarcada, uma série de estudos e projetos foram desenvolvidos dando subsídios para a formação de um grupo dentro da estatal, que no final da década seguinte, veio a se configurar como a Rede de Agricultura de Precisão.
Hoje, mais focada na potencialidade da lavoura e na gestão do sistema produtivo a partir de uma abordagem mais transversal, a Rede é composta, por 19 centros de pesquisa, 15 campos experimentais e 214 pesquisadores.
Para falar mais sobre essa iniciativa, as principais linhas de pesquisa da AP e alguns dos resultados alcançados ao longo de sua existência, a primeira edição do InCeres Entrevista é com Ricardo Yassushi Inamasu, pesquisador da Embrapa Instrumentação e professor da Universidade de São Paulo.
Quais são as principais linhas de pesquisa na Agricultura de Precisão e como elas estão organizadas dentro das pesquisas da Rede?
São várias. Justamente porque a gente trabalha com a identificação da variabilidade espacial, que parece algo muito simples. O processo é muito complexo, existem várias camadas de informação. Então, em tese, as linhas de pesquisa estão conectadas com o sistema produtivo como: fertilidade, química do solo, doenças e pragas. Todos esses são elementos que enriquecem os dados. Então, todas essas áreas acabam sendo linhas de pesquisa para a AP.
Posto dessa forma, a gente consegue inserir todos os agrônomos que trabalham no sistema de produção, mas, de uma forma geral, a gente dividiu, para que se possa fazer a gestão das pesquisas, em: culturas anuais, culturas perenes e pesquisas na área de ferramentas para a AP.
Aí, quando falamos de ferramentas, não nos referimos só às máquinas, mas também aos algoritmos, aos sistemas de informação geográfica, à geotecnologia, como geoprocessamento. Então, há um arcabouço de conhecimentos e a gente acaba criando linhas de pesquisa de uma forma bastante variada, de tal forma a encaixar os temas que os pesquisadores já trabalhavam.
Portanto, existe, de maneira bastante geral, essa divisão do ponto de vista de gestão de uma rede de pesquisa. Mas é importante salientar que todos os pesquisadores que já trabalham com um determinado tema, acabam usando a AP como elemento que enriquece sua própria pesquisa, de tal modo que não mudam sua linha principal de pesquisa, continuam na mesma temática, mas, ao mesmo tempo, inserem outros parâmetros para enriquecer o trabalho.
Esse é o foco que nós damos dentro da Rede, então é difícil dizer assim: olha, essas são as linhas de pesquisa da Embrapa. As linhas de pesquisa da Embrapa são como nós estamos colocando o tema transversal da AP dentro de outras áreas de pesquisa.
Quais foram os principais resultados práticos da primeira Rede de Agricultura de Precisão?
Um dos maiores ganhos dentro da Embrapa é entender que, até em termos de campos experimentais, a variabilidade é um fator que pode ser inserido como um parâmetro para novos estudos. Eu diria que a AP trouxe melhor entendimento e também um melhor processo de estudo agronômico da propriedade.
Nós trouxemos, como resultado prático, o fato de que agora os estudos dentro da Embrapa ficaram muito mais práticos. Mas o que seria o “mais prático”? Por exemplo, levar em conta diferenças na capacidade de armazenamento de água no solo para realizar a irrigação. É um ganho muito grande tanto no ponto de vista da qualidade da irrigação, quanto do ponto de vista da produção também.
Outro exemplo de ganhos em termos agronômicos é o de Bento Gonçalves (RS). Numa área pequena da Miolo, onde se planta uva para vinho, detectou-se que existe variabilidade de solos. E essa variabilidade do solo contribui para as características do vinho. Numa produção pequena você pode, considerando essas diferenças, aprimorar o vinho, na realidade, como se fosse uma composição de um blend, destacando determinadas qualidades e reduzindo alguns pontos que potencialmente poderiam trazer algum defeito.
Outro exemplo, são ferramentas como a condutividade elétrica do solo. Havia muita controvérsia em relação a essa ferramenta, baseando-se na crença de que os solos brasileiros não eram muito adequados para realizar essa medição. Entenda que foi realizada uma quantidade expressiva de medidas que dão sustentação para o uso desse tipo de ferramenta para identificar a variabilidade espacial do solo, tanto do ponto de vista físico, como químico.
Nesse sentido, um dos resultados, tendo como parceira a SLC, produtora de algodão, foi a elaboração de mapa de condutividade elétrica do solo nos 400 mil hectares da produção de algodão.
Dá para ver como foi expressivo o impacto dessa ferramenta. Então, são trabalhos realizados nesse sentido, que trazem uma maturidade muito grande. Além desses conhecimentos, existe a nossa publicação Agricultura de Precisão: resultados de um novo olhar” que contém vários resultados dos trabalhos da Rede. Além desses resultados, do ponto de vista de imagem aérea, embora eu não possa dizer que a rede foi responsável pela mudança qualitativa no uso do drone, pois todos os conhecimentos são incrementais, e conseguimos dar mais suporte a essa tecnologia emergente.
Hoje, a Embrapa está com um projeto muito interessante nesse tema “drone” com a empresa Qualcomm, que faz processadores para os smartphones. E aí, essa parceria entre a Qualcomm e a Embrapa tem o objetivo de implementar rotinas e programas computacionais nos drones para auxiliar no reconhecimento de parâmetros de interesse agronômico. Esse também seria um resultado prático, pois são conhecimentos que estão sendo implementados em novas tecnologias.
Também é muito importante dizer que existe um conhecimento muito grande gerado pela academia, que a gente, não só contribui, mas usa a contribuição dos demais também, num processo normal de criação de conhecimento.
De que forma o senhor espera que essas pesquisas cheguem ao produtor rural? Quais tem sido as estratégias da Embrapa nesse sentido?
Isso é um desafio muito grande. Nós estamos dando uma atenção especial para que esses conhecimentos cheguem até o produtor. São várias formas de atuação para que isso aconteça. Na realidade nós temos, até, que ampliá-las.
Por exemplo, nós treinamos multiplicadores do SENAR, em termos de parceria. Mesmo para o Ministério da Agricultura, nós montamos um processo de treinamento. Então, na realidade, nós estamos treinando os multiplicadores, assim como as universidades fazem.
Nós temos também um trabalho muito forte na mídia. Temos uma capilaridade muito grande. Portanto, na medida do possível, nós colocamos esse tema na mídia. Obviamente, os conhecimentos, como eu disse, são gerados pelas universidades ou até pelas próprias empresas. Nós sistematizamos as informações e levamos às palestras. Mas é fundamental ampliar ainda, fazer mais parcerias com as universidades, e por que não, com as empresas.
A InCeres, por exemplo, é uma empresa que tem levado a AP ao campo e, por que não, a gente estar em processos de parceria para que possa melhorar o impacto desse conhecimento, né?
Na sua opinião, qual o papel do consultor agronômico no Brasil no momento atual? E no futuro? 
O consultor agronômico, no caso da AP, é fundamental. Ele é como o médico da família. Se você olhar novamente os resultados da nossa publicação, uma das formas mais importantes, ou que tem maior impacto em termos de conhecimento na agricultura que chega ao produtor, se dá por meio de empresas prestadoras de serviço, às quais os consultores estão muito conectados.
Então poderia se entender que o consultor agronômico é a ponta de lança da AP que alcança a lavoura, seguido pelas empresas de máquinas, feiras e treinamentos.
Como a gente está falando de gestão da lavoura, o consultor é um elemento fundamental para que se possa orientar como atuar nessas diferenças espaciais, ou seja, encontrar as aptidões agrícolas das manchas no campo, ou ainda, diferenciar essas aptidões de tal forma a ter uma gestão das operações economicamente rentável e ambientalmente sustentável.
Este é o papel do consultor agronômico. Portanto, ele precisa estar bem atualizado para que possa realizar da melhor forma possível essa atividade. É, como eu disse, o médico da família. Se ele errar em algum diagnóstico pode haver um efeito negativo muito grande.
Como o senhor vê o Brasil em termos de desenvolvimento de tecnologia para a agricultura?
Bom, o perfil dos nossos agricultores é um perfil bastante moderno. Obviamente, eu estou falando de um agricultor de ponta. Se não tivesse esse perfil, nós não teríamos uma agricultura tão pujante mundialmente.
Mas é um perfil que não aguarda muito uma tecnologia de fora. É um perfil que sempre está em busca de novas tecnologias, é muito mais proativo.
E essa proatividade se justifica porque os nossos problemas são muito próprios do trópico, e uma característica de produção de um clima tropical, por ser diferente de uma de clima temperado, exige uma busca de soluções própria e essa busca acaba se traduzindo em novas tecnologias, mais adaptadas para a nossa agricultura.
Assim, o perfil do nosso agricultor e da nossa agricultura é um perfil bastante empreendedor, que busca muito conhecimento e vive buscando soluções para os problemas, porque os problemas que afligem nossos produtores são problemas muitas vezes diferentes dos problemas que existem nos países de clima temperados. Isso é um drive para inovação muito grande.
Então pode-se dizer que é um cenário bastante favorável para o aumento do uso dessas tecnologias?
Isso! Talvez eu seja um otimista incorrigível em relação ao uso da AP. Nós achamos que a AP é uma forma de fazer agricultura que permeia, independentemente da fase, e vai estar incorporada ao processo de gestão da propriedade.
Talvez no futuro nem se precise dizer que é AP, porque é o processo mais adequado que existe no sistema de produção, quer dizer, levar em consideração a variabilidade espacial é um ponto fundamental para ter uma agricultura mais sustentável e seria ilógico não se considerar esses parâmetros no seu sistema produtivo.
A partir do momento que você abriu os olhos para isso, dificilmente você vai deixar de olhar para esse tipo de abordagem.

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